Vida de Ozanam (VI)
Primeiro Regulamento da
Sociedade de São Vicente de Paulo
As actividades da Conferência
de Caridade estavam praticamente definidas. Sua expansão, porém, reclamava um elemento
de orientação e vinculação. Resultou disso a aprovação de um Regulamento em
1835, no qua1, pela primeira vez, se estabeleceu a qualificação da obra como
“Sociedade de São Vicente de Paulo”. Sua elaboração coube a Ozanam e Lallier,
tendo Bailly escrito o preâmbulo, denominado “Observações Preliminares”, reproduzidas
sempre em todas as edições, mesmo as publicadas em outras línguas.
Doutorado em Direito e a
Primeira Conferência em Lião
Embora obrigado a doutorar-se
em Direito, para satisfação dos pais, Ozanam lançou-se na conquista da
licenciatura em Letras e conseguiu em 2 de maio de 1835, “o bendito Diploma”,
caminho para o doutorado. Em 30 de Abril de 1836 defendeu a tese para doutorado
em Direito, conquistando seu diploma, com capacidade para incumbir-se do ensino
superior. Pouco se alegrou com esse título, que via como “corda no pescoço” ,
conforme declarava aos amigos. A família de Ozanam preparou-se para recebê-lo
festivamente, oferecendo-lhe óptimas instalações para seu escritório de
advocacia e ele mesmo não escondia sua alegria, por poder dizer à sua
mãe que ela o recebia intacto de coração e de inocência, como quando partira.
Como para exercer a profissão precisava esperar quatro meses, Ozanam procurou
fundar nesse interim, a primeira Conferência de Lião, contando com a
colaboração de antigos companheiros de Paris.
Graças a Ozanam, auxiliado
pelo Barão Chaurand, antigo confrade em Paris e grande fazendeiro, Lião teve a dita
de ver funcionar a primeira Conferência fora de Paris, embora enfrentando
grande oposição dos tradicionalistas, que usaram, na frase de Ozanam,
“mesquinharias, aleivosias, vilanias, argúcias e minúcias, de que são capazes
essas gentes”. A tenacidade e o esforço de Ozanam e dos companheiros venceram
as resistências, passando de cem os confrades, donde a necessidade de dividir
aquela Conferência.
A Sociedade, em Lião, podia
apresentar-se como modelo, tomando rumos pioneiros. Socorria cem famílias, dando-lhes
assistência médica; atraía confrades e assistidos à prática dos Sacramentos;
organizou círculos de estudos para militares, preparando-lhes uma biblioteca
com uma escola, tendo confrades por professores; acertava reuniões domingueiras
na igreja para prelecções do Vigário. Essas actividades mereciam aprovação da autoridade
eclesiástica e bênçãos do Arcebispo. E de tudo era enviado Relatório a Paris.
De Lião Ozanam acompanha os
trabalhos da Sociedade em Paris
Mesmo ausente, Ozanam
acompanhava com solicitude as actividades das Conferências de Paris. Escrevendo
a Lallier, colocava-lhe nos ombros a responsabilidade pelo funcionamento da
sociedade: “Depois de Bailly, você é a alma da Sociedade. De você dependem a
união, o vigor, e a duração da obra” .Recomenda a publicação da “Circular” para
remessa aos confrades com o Relatório anual. Incita-o a assistir às reuniões
dos Conselhos, não negligenciando na correspondência.
O que mais recomendava Ozanam
aos confrades parisienses era a manutenção do espírito de humildade, virtude
primeira, tão exigida por São Vicente de Paulo. Manda preferir a obscuridade à
prosperidade, afastados o orgulho colectivo, louvores dos próprios actos,
elogios descontrolados e sobretudo a publicidade “que seria nossa morte”
.Destacava a necessidade de religar todas as Conferências entre elas, tendo
Paris como centro, preparando, assim, o estabelecimento dos Conselhos
Particulares e Centrais.
Ozanam perde seu pai
Sem entusiasmo e sem alegria,
prestou Ozanam juramento de advogado no Foro de Lião, em Novembro de 1836. Seus
primeiros contactos com alguns clientes foram desanimadores. Não tinha
disposição para andar atrás de causas. Só se sentia bem defendendo o interesse
dos pobres. Não com pactuava com certos arranjos que “degradavam a justiça”, na
qual ele queria ver “o último asilo moral, o último santuário da sociedade presente”
.Aquela forma de vida “irritava-o, deixava-o profundamente ulcerado”.
Consciente de que não dava
para as lides judiciárias, Ozanam começou a pensar na ocupação da cadeira de Direito
Comercial, cuja criação vinha sendo reclamada pela Câmara de Comércio de Lião.
Mas, para tanto, era indispensável muito trabalho junto ao Governo. Estando a
solução final em Paris, para lá se dirigiu Ozanam em 1837, confiante no
prestígio de Jean-Jacques, filho de Ampère. As coisas iam bem encaminhadas, quando
recebeu catastrófica notícia: Seu pai agonizava.
De Paris a Lião gastou Ozanam
três dias, não tendo alcançado o enterro de seu amado pai, falecido em 12 de Março.
Morreu no exercício da Caridade, quando, descendo uma velha escada, após
socorrer um pobre, escorregou, fracturando o crânio. Apesar da velhice,
mantinha essas escaladas, no que era também acompanhado às ocultas pela esposa.
Apesar de se prometerem cessar tão arriscadas visitas, continuavam a fazê-las,
muitas vezes um pilhando o outro na quebra da promessa feita.
A dor de Ozanam foi inconsolável. Escrevendo a
Jean-Jacques Ampère, cujo eminente pai falecera há pouco, Ozanam enaltecia as
superiores virtudes daquele que lhe formara o carácter e que “se não era
ilustração de primeira ordem, pelos seus trabalhos e suas virtudes se fez
estimado e amado de todos, no serviço dos quais morreu” . O pai de Ozanam era o
apoio do edifício doméstico e sua morte significava o desmoronamento do lar.
Com a morte do genitor, Ozanam
iria assumir a obrigação de manter a mãe viúva e continuar a educação do irmão casula
Carlos. O outro, padre Afonso, não lhe seria pesado. Apesar de bem situado na
vida, o extinto pouco deixara, pois grande parte da clínica era gratuita,
destinada aos pobres. Coube, assim, a Ozanam assumir todos os encargos da
família, sem rendas suficientes, pois da advocacia, pouco lucrava.
Doutorado em Letras é
nomeado Professor de Direito Comercial
Entregue ao trabalho
profissional, ocupado ainda com aulas particulares, Ozanam, apegado ao desejo
de conseguir o Doutorado em Letras, não cessava de estudar, preparando duas
teses, uma em latim sobre poetas da antiguidade e outra em francês sobre a
Divina Comédia e a Filosofia de Dante. Para imprimi-las e defendê-las, viajou a
Paris em Dezembro de 1838, temeroso, pois deixava a mãe enferma. As teses de
Ozanam “foram geradas e nutridas na dor”.
88 Verdadeira multidão lotava
o anfiteatro da Sorbona, quando, a 7 de Janeiro de 1839, Ozanam defendeu suas teses.
Velhos professores, sábios e eloquentes, interrogavam o jovem examinando, que
empolgou examinadores e assistentes, manifestando estes vivos aplausos. O
Ministro da Instrução, Victor Cousin, não conteve seu entusiasmo, exclamando:
“Senhor Ozanam, sua eloquência nunca foi superada nesta faculdade”. Este formidável
êxito repercutiu em Lião, onde o Conselho Municipal o nomeou Professor de
Direito Comercial.
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