«Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Ajudar "pessoas em situação de pobreza", deve ser sempre um remédio provisório. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho» Laudato Si: página 88.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Vida de Ozanam (VI)

Vida de Ozanam (VI)

Primeiro Regulamento da Sociedade de São Vicente de Paulo

As actividades da Conferência de Caridade estavam praticamente definidas. Sua expansão, porém, reclamava um elemento de orientação e vinculação. Resultou disso a aprovação de um Regulamento em 1835, no qua1, pela primeira vez, se estabeleceu a qualificação da obra como “Sociedade de São Vicente de Paulo”. Sua elaboração coube a Ozanam e Lallier, tendo Bailly escrito o preâmbulo, denominado “Observações Preliminares”, reproduzidas sempre em todas as edições, mesmo as publicadas em outras línguas.


Doutorado em Direito e a Primeira Conferência em Lião

Embora obrigado a doutorar-se em Direito, para satisfação dos pais, Ozanam lançou-se na conquista da licenciatura em Letras e conseguiu em 2 de maio de 1835, “o bendito Diploma”, caminho para o doutorado. Em 30 de Abril de 1836 defendeu a tese para doutorado em Direito, conquistando seu diploma, com capacidade para incumbir-se do ensino superior. Pouco se alegrou com esse título, que via como “corda no pescoço” , conforme declarava aos amigos. A família de Ozanam preparou-se para recebê-lo festivamente, oferecendo-lhe óptimas instalações para seu escritório de advocacia e ele mesmo não escondia sua alegria, por poder dizer à sua mãe que ela o recebia intacto de coração e de inocência, como quando partira. Como para exercer a profissão precisava esperar quatro meses, Ozanam procurou fundar nesse interim, a primeira Conferência de Lião, contando com a colaboração de antigos companheiros de Paris.

Graças a Ozanam, auxiliado pelo Barão Chaurand, antigo confrade em Paris e grande fazendeiro, Lião teve a dita de ver funcionar a primeira Conferência fora de Paris, embora enfrentando grande oposição dos tradicionalistas, que usaram, na frase de Ozanam, “mesquinharias, aleivosias, vilanias, argúcias e minúcias, de que são capazes essas gentes”. A tenacidade e o esforço de Ozanam e dos companheiros venceram as resistências, passando de cem os confrades, donde a necessidade de dividir aquela Conferência.

A Sociedade, em Lião, podia apresentar-se como modelo, tomando rumos pioneiros. Socorria cem famílias, dando-lhes assistência médica; atraía confrades e assistidos à prática dos Sacramentos; organizou círculos de estudos para militares, preparando-lhes uma biblioteca com uma escola, tendo confrades por professores; acertava reuniões domingueiras na igreja para prelecções do Vigário. Essas actividades mereciam aprovação da autoridade eclesiástica e bênçãos do Arcebispo. E de tudo era enviado Relatório a Paris.

De Lião Ozanam acompanha os trabalhos da Sociedade em Paris

Mesmo ausente, Ozanam acompanhava com solicitude as actividades das Conferências de Paris. Escrevendo a Lallier, colocava-lhe nos ombros a responsabilidade pelo funcionamento da sociedade: “Depois de Bailly, você é a alma da Sociedade. De você dependem a união, o vigor, e a duração da obra” .Recomenda a publicação da “Circular” para remessa aos confrades com o Relatório anual. Incita-o a assistir às reuniões dos Conselhos, não negligenciando na correspondência.

O que mais recomendava Ozanam aos confrades parisienses era a manutenção do espírito de humildade, virtude primeira, tão exigida por São Vicente de Paulo. Manda preferir a obscuridade à prosperidade, afastados o orgulho colectivo, louvores dos próprios actos, elogios descontrolados e sobretudo a publicidade “que seria nossa morte” .Destacava a necessidade de religar todas as Conferências entre elas, tendo Paris como centro, preparando, assim, o estabelecimento dos Conselhos Particulares e Centrais.

Ozanam perde seu pai

Sem entusiasmo e sem alegria, prestou Ozanam juramento de advogado no Foro de Lião, em Novembro de 1836. Seus primeiros contactos com alguns clientes foram desanimadores. Não tinha disposição para andar atrás de causas. Só se sentia bem defendendo o interesse dos pobres. Não com pactuava com certos arranjos que “degradavam a justiça”, na qual ele queria ver “o último asilo moral, o último santuário da sociedade presente” .Aquela forma de vida “irritava-o, deixava-o profundamente ulcerado”.

Consciente de que não dava para as lides judiciárias, Ozanam começou a pensar na ocupação da cadeira de Direito Comercial, cuja criação vinha sendo reclamada pela Câmara de Comércio de Lião. Mas, para tanto, era indispensável muito trabalho junto ao Governo. Estando a solução final em Paris, para lá se dirigiu Ozanam em 1837, confiante no prestígio de Jean-Jacques, filho de Ampère. As coisas iam bem encaminhadas, quando recebeu catastrófica notícia: Seu pai agonizava.

De Paris a Lião gastou Ozanam três dias, não tendo alcançado o enterro de seu amado pai, falecido em 12 de Março. Morreu no exercício da Caridade, quando, descendo uma velha escada, após socorrer um pobre, escorregou, fracturando o crânio. Apesar da velhice, mantinha essas escaladas, no que era também acompanhado às ocultas pela esposa. Apesar de se prometerem cessar tão arriscadas visitas, continuavam a fazê-las, muitas vezes um pilhando o outro na quebra da promessa feita.

 A dor de Ozanam foi inconsolável. Escrevendo a Jean-Jacques Ampère, cujo eminente pai falecera há pouco, Ozanam enaltecia as superiores virtudes daquele que lhe formara o carácter e que “se não era ilustração de primeira ordem, pelos seus trabalhos e suas virtudes se fez estimado e amado de todos, no serviço dos quais morreu” . O pai de Ozanam era o apoio do edifício doméstico e sua morte significava o desmoronamento do lar.

Com a morte do genitor, Ozanam iria assumir a obrigação de manter a mãe viúva e continuar a educação do irmão casula Carlos. O outro, padre Afonso, não lhe seria pesado. Apesar de bem situado na vida, o extinto pouco deixara, pois grande parte da clínica era gratuita, destinada aos pobres. Coube, assim, a Ozanam assumir todos os encargos da família, sem rendas suficientes, pois da advocacia, pouco lucrava.

Doutorado em Letras é nomeado Professor de Direito Comercial

Entregue ao trabalho profissional, ocupado ainda com aulas particulares, Ozanam, apegado ao desejo de conseguir o Doutorado em Letras, não cessava de estudar, preparando duas teses, uma em latim sobre poetas da antiguidade e outra em francês sobre a Divina Comédia e a Filosofia de Dante. Para imprimi-las e defendê-las, viajou a Paris em Dezembro de 1838, temeroso, pois deixava a mãe enferma. As teses de Ozanam “foram geradas e nutridas na dor”.


88 Verdadeira multidão lotava o anfiteatro da Sorbona, quando, a 7 de Janeiro de 1839, Ozanam defendeu suas teses. Velhos professores, sábios e eloquentes, interrogavam o jovem examinando, que empolgou examinadores e assistentes, manifestando estes vivos aplausos. O Ministro da Instrução, Victor Cousin, não conteve seu entusiasmo, exclamando: “Senhor Ozanam, sua eloquência nunca foi superada nesta faculdade”. Este formidável êxito repercutiu em Lião, onde o Conselho Municipal o nomeou Professor de Direito Comercial.

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