«Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Ajudar "pessoas em situação de pobreza", deve ser sempre um remédio provisório. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho» Laudato Si: página 88.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Ser missionário, sempre com caridade

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Ser missionário, sempre com caridade

      Durante o ano de 2014, o Conselho Nacional do Brasil (CNB) – nossos irmãos na caridade - da Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP) propôs que todos os vicentinos reflectissem sobre o tema “Missionários na Caridade”. Este assunto foi prioridade nas reuniões de Conferências e Conselhos naquele ano, nas leituras espirituais e nas capacitações que forem realizadas, tanto para vicentinos quanto para os assistidos.

      Essa proposta de reflexão aborda duas importantes vertentes do trabalho vicentino: o aspecto missionário e o aspecto caritativo. Ser caridoso e ser missionário são, na verdade, condições fundamentais para que os confrades e as consócias possam ser proclamados vicentinos e, assim, tenham a oportunidade de efectuar as visitas domiciliárias às pessoas humildes.
Não podemos misturar “missionários na caridade” com “missionários da caridade”. As duas preposições (“na” e “da”) podem soar como sinónimos, mas tem sentidos diferentes. Missionário da caridade transmite a ideia de que nós, vicentinos, somos “representantes da caridade" e para tal, na qualidade de missionários, desenvolvemos um papel social e espiritual. Contudo, missionários na caridade sinaliza um maior senso de pertencente, isto é, não somos meros representantes da caridade, mas estamos tão envolvidos mela que nos consideramos “dentro” dela. “Missionários na caridade” suscita empatia, participação, comunhão, compromisso e inserção.

      O espírito missionário move todos os confrades e consorcias para, inflamados pela caridade, deixarem o conforto de seus lares para se deslocarem, semanalmente, à reuniões das Conferências, às visitas e às celebrações na igreja. Esse primeiro passo, que pode parecer trivial para muitos, nem sempre é dado. Quantas pessoas nunca fizeram um ato de fraternidade, ou que não vão à santa missa apenas em baptizados ou funerais? Portanto, a primeira etapa da prática do “fogo missionário” começa no “levantar-se” e na disponibilidade de tempo e de talento para a causa vicentina.
Outro aspecto missionário que não pode ser esquecido tem a ver com a família. Se não defendermos a família “com unhas e dentes”, de nada vale ser missionário. Grande parte dos problemas existentes hoje na sociedade civil (violência, crimes, drogas, corrupção, materialismo, egoísmo etc) é oriunda da destruição da família. Combatemos essa tendência secular dotando o modelo da Sagrada Família (José, Maria e Jesus).

      Outro elemento fundamental para a prática do espírito missionário é saber evangelizar, não só levando a Palavra de Deus por meio da leitura dos Evangelhos nas visitas domiciliares, mas também por intermédio do testemunho vicentino. Os assistidos nos observam sempre e precisamos ser, para ele, exemplos de cristandade e de valores humanos.
Todas essas etapas só poderão ser efectivamente trilhadas se o fiel tiver, no coração, a caridade. A caridade é o que nos move. É ela que tudo perdoa e tudo suporta. Por ela, somos atraídos à obra de Cristo e ao amor fraterno para com os irmãos que sofrem. Sem ela, deixamos de ser “missionários” para sermos meros “activistas sociais”.

      Ser missionário na caridade é a dotar a mesma postura, fora ou dentro da SSVP, na hora da visita ou fora da visita; ou seja, é um estilo de vida que perpassa todas as dimensões do ser humano. Toda essa reflexão só terá êxito se houver também uma grande revitalização nas unidades vicentinas, com criatividade, caridade e espírito missionário.
                                                                                                                                 Crónicas vicentinas de; Renato Lima, Cgi

segunda-feira, 10 de julho de 2017

São Paulo, os vicentinos e os espinhos

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Há uma passagem bíblica que segue “indecifrada” até os dias de hoje. Tem a ver com o “espinho na carne” ao qual São Paulo se refere na 2ª Carta aos Coríntios. Ele assim se expressou: “E para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: ‘A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na franqueza’. De boa vontade, pois, mais me gloriei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (II Cor 2,7-9).
Estudiosos da Bíblia afirmam que esse “espinho na carne” poderia ser tanto uma doença física quanto algo relacionado ao aspecto espiritual. De qualquer maneira, esse tal espinho era um incomodo na vida de Paulo; mesmo assim, apesar de ter pedido a Deus, por três vezes, que ficasse livre do sofrimento, ele aceitou aquela situação, entregando-o ao Senhor como prova de amor, obediência e fidelidade.
Para alguns, o espinho seria uma infecção recorrente dos olhos; para outros, a circuncisão (pois Paulo era judeu, mas havia se convertido a Cristo e precisava conviver com aquele símbolo judeu). A Bíblia não explica o que, em verdade, seria esse espinho. O que este trecho das Sagradas Escrituras tem a ver com o trabalho vicentino?
Na nossa caminhada, encontramos muitos espinhos, os quais, à vezes, podem atrapalhar nossos projectos e desejos. Vamos começar falando pelo “espinho da pobreza”, que deixa os assistidos em situação de fragilidade e vulnerabilidade. Como fazer para extirpar o 2espinho da pobreza” do seio da sociedade desigual em que vivemos? Oh espinho terrível de se combater! Como gostaríamos de exterminar esse espinho, mas temos que conviver com ele, amenizando, pelo menos, os efeitos desastrosos perante os que mais sofrem.
Outro “espinho da carne” que temos dentro da SSVP é a postura inadequada de certos dirigentes que se envaidecem com os cargos assumidos, como presidente de Obras Unida ou de conselho. Lamentável alguém pensar assim, pois na verdade somos meros instrumentos do senhor para que Ele, Deus, realize os prodígios por nossas mãos e talentos. Somos “servos inúteis” e não podemos ser presunçosos por nada que façamos, pois Jesus mesmo nos orientou: “Quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer” (Lucas 17,7-10).
Por fim, outro “espinho na carne” que acompanha os próprios vicentinos é a questão da indiferença e da acomodação que muitos têm em relação aos Pobres. Não podemos deixar que as visitas domiciliárias caiam na rotina e que nossa ação se restrinja à doação de bens materiais e gêneros alimentícios. Também não podemos ficar buscando desculpas por nossas faltas às reuniões e aos eventos vicentinos, pois isso nos enfraquece espiritualmente. A mortificação – uma das virtudes vicentinas – tem tudo a ver com essa incomodidade. Portanto, peçamos a Deus que mantenha esse espinho na nossa carne, para que nunca nos esqueçamos de que somos ferramentas Dele.
A nossa esperança reside na promessa de Deus para com os Pobres e para com aqueles que ajudam os Pobres: “Com equidade, Ele julgará os Pobres. Ele libertará o indigente que suplica e o Pobre ao qual ninguém quer ajudar “(Salmo 71). Deixamos algumas perguntas para reflexão na Conferência: Qual é o espinho que mais atrapalha no dia a dia da Sociedade de São Vicente de Paulo? É o espinho externo (ligado aos assistidos, como a miséria e a desigualdade) ou o interno (referente aos relacionamentos dentro das Conferências e Conselho)? Ou são os espinhos espirituais e físicos?    

Crónicas vicentinas de; Renato Lima, Cgi