Vida de Ozanam (III)
O início da amizade com Lamache
Noutra feita, na
Escola de Direito, um estudante prestava atenção à atitude séria de Ozanam e
procurou conhecê-lo. Encontrando-o na saída da igreja de Santo Estêvão,
alegrou-se por sabê-lo católico. E propôs serem amigos. Era de Goy.
Outro católico,
filho de médico e segundanista de Direito, aproximou-se de Ozanam,
estendendo-lhe a mão. Era Lamache. Outros apareceram mas somente três
mosqueteiros permaneceriam na futura arena vicentina: Ozanam, Lallier e
Lamache.
Ozanam combate à irreligiosidade dentro da Sorbona
O pequeno grupo
crescia, movido pelo mesmo fim: Defesa da Religião em face da irreligiosidade
audaciosa e triunfante. O anticristianismo dominava raivoso na imprensa, em comícios,
na Sorbona, nesta principalmente, com a agravante de sofrerem ataques violentos
os estudantes católicos. Com a arregimentação dos mais dispostos, Ozanam
organizou a reacção, em defesa da causa de Deus, mostrando ainda que se pode
ser católico e amar ao mesmo tempo a religião e a liberdade.
As escaramuças
iam-se transformando em combates, como escrevia Ozanam a Falconet. Num dos
principais, a turma enfrentou Jouffroy, proeminência do ateísmo, verdadeiro semeador
de ruínas: as da fé e da razão. Numa aula sua atacou a Revelação. Um dos
colegas de Ozanam refutou aquele disparate em carta, pois os alunos não podiam
contestar o professor. Jouffroy ofereceu resposta vaga, o que levou o estudante
a mandar-lhe nova carta, a que ele não ligou.
Não se conformando
com o ostensivo desprezo do professor, Ozanam e companheiros redigiram um
protesto em regra, que ele se viu compelido a ler perante mais de duzentos
alunos, que escutaram respeitosamente aquela inusitada profissão de fé
católica, e, mais ainda, (a retractação de Jouffroy, declarando que jamais
pretendera desfigurar o Cristianismo, pelo qual tinha alta veneração e que iria
esforçar-se, daí por diante, para não mais atacar as crenças dos alunos.
Não fazia seis
meses que Ozanam iniciara seu Curso de Direito e já conseguira transformar, de
modo impressionante, o ambiente da Sorbona, com os ataques à religião menos
violentos e os professores mostrando-se mais moderados na sua linguagem. E o
próprio Jouffroy foi amortecendo seu ateísmo militante, a ponto de
afirmar antes de morrer: “Todos esses sistemas científicos não conduzem a
nada!” “Mil e mil vezes um bom
ato de fé cristã”
Ozanam e seus amigos buscam
formação religiosa
Ozanam permanecia atento, mas entendia ser necessário
maior preparo no tocante à formação religiosa, a fim de se poder enfrentar os
adversários. Recorreu, então, juntamente com os companheiros, ao Padre Gerbert,
professor de Sagradas Letras na Faculdade Teológica de Paris, filósofo,
teólogo, escritor e aplaudido jornalista. E os resultados foram excelentes, afirmando Ozanam que jamais
ouviu doutrina mais profunda, exposta para uma assistência em que se misturavam
homens célebres com jovens entusiasmados.
Apesar do êxito das conferências do Padre Gerbert, Ozanam
pretendia ir mais longe, sair daquele recinto fechado para um lugar mais amplo
e capaz de atrair auditório ainda maior. E foi lembrada a grande nave da igreja
de Notre Dame, ideia por todos aceite. Mas faltava a aprovação do Arcebispo D.
Quélen, que recebeu com agrado a sugestão, acrescentando ter o pressentimento
de que “algo de grande estava em preparo”. Mas nada decidiu.
A demora do Arcebispo em resolver o assunto enervou os
jovens estudantes. Resolvem fazer nova investida com petição de 200
assinaturas, entregue por Ozanam, Lallier e Lamache. A dificuldade era
encontrar um orador sacro, à altura do cometimento. Vários nomes foram
sugeridos, mas sem as necessárias qualidades para a importante missão. O
célebre Padre Lacordaire era o candidato dos jovens, porém “certos acontecimentos
impediam sua aprovação pelo Arcebispo. Assim, o melhor era esperar”.
As Conferências de História
Enquanto o Arcebispo de Paris não resolvia a realização
de conferências em Notre Dame, Ozanam e companheiros procuravam manter aceso o
movimento de renovação do espírito cristão. Falaram-lhes da existência da
“Sociedade dos Bons Estudos”, dirigida por eminente católico, Bailly de Surcy,
que estava em decadência. Mas Bailly teve a ideia de realizar reuniões na redacção
do seu jornal “Tribuna Católica”, com conferências sobre literatura, história e
filosofia, para elas convidando a juventude cristã.
Acontecia que a “Sociedade dos Bons Estudos” não atendia
aos anseios de Ozanam, pois era um cenáculo fechado, embora admitindo alguns
jovens católicos ou de certas inclinações políticas. Por sugestão. de Ozanam, Bailly
transformou aquela sociedade num grupo aberto a quantos desejassem instruir-se
nas variadas manifestações do pensamento contemporâneo, passando a chamar-se
“Conferências de História”. Em Março de 1833, eram mais de 60, com liberdade
ampla para tratar de qualquer assunto.
Vindo a participar das Conferências de História
representantes e partidários de todas as opiniões e de várias religiões, os
resultados das discussões tornaram-se contraproducentes, tanto mais que se
multiplicavam os ataques ao Cristianismo, destacando-se Ozanam com respostas
prontas, algumas pitorescas e espirituosas. Os católicos, com maiores
conhecimentos religiosos e maior ardor de proselitismo, acabavam sempre
vitoriosos, conquistando ainda a amizade dos adversários, pois não usavam
expressões violentas.
Entre os que se alarmavam com os possíveis perigos dessa
apologética juvenil, desamparada de uma direcção religiosa competente, estava o
velho, sábio e prudente jornalista Picot, redactor do “Amigo da Religião” que
disse ver nas discussões mais inconveniências que vantagens. Ozanam magoou-se
com a observação, sobre- tudo procedendo de “pessoa venerável” , pois esperava
apoio para aqueles jovens cheios de coragem na defesa da
Santa Madre Igreja. Sua consciência, porém, ficou
abalada, reclamando reexame.
Reunidos os mais decididos batalhadores em casa de
Lamache, ficou acertado que se tomassem medidas para evitar surpresas
prejudiciais à religião. Mas os receios persistiam, tendo Le Taillandier
combinado com Lallier que suas reuniões se fizessem unicamente com jovens
católicos, as quais sem controvérsias e disputas, apresentariam melhor meio de
realizar boas obras. Como essa mudança de direcção pudesse parecer capitulação,
nada decidiram, concordando, porém, em estudar previamente as teses em
discussão.
Fundação da primeira
Conferência de Caridade
As reuniões continuavam cada vez mais tumultuosas, com
provocações dirigidas aos católicos e repelidas por Ozanam, que, no entanto, ficou
muito chocado quando um estudante, destacando o cepticismo de Voltaire, declarara:
“Vocês têm razão se ficarem no passado, quando o Cristianismo fez prodígios.
Mas hoje ele está morto! E vocês, que se gabam do seu Catolicismo, que fazem
agora? Cadê suas obras, as obras que provam sua fé e que nos poderiam
convencer?”
As palavras do colega atingiram o coração de Ozanam,
obrigando-o a concordar com ele, pois só se distinguiam dos camaradas
incrédulos pelo palavreado pomposo. Mas, onde estavam as obras de caridade?
Como traduzir em actos a fé que defendiam? E concluiu: “É preciso imitar Jesus
Cristo quando pregava o Evangelho. Fundemos uma Conferência de Caridade. Vamos
aos Pobres!” E começou levando, com Le Taillandier, a um pobre, as achas de
lenha que iriam queimar no inverno.
Narrando este episódio; dizia Lamache que Ozanam, com
olhar triste mas cintilante, e voz levemente trémula, traduzia as profundas
emoções da alma. Passando da palavra à acção, Ozanam, Lamache e Le Taillandier procuraram
Bailly, a quem externaram seus intentos, recebendo apoio imediato, sugerindo,
porém, que fossem consultar o Padre Olivier, pároco de Santo Estêvão. Este
achou melhor, em vez de obras, realizar o ensino do Catecismo a crianças
pobres. A solução não convinha.
Voltando a Bailly, os três moços explicaram que preferiam
uma caridade manual, com visita aos pobres. A esposa de Bailly participava de
uma “Sociedade de Boas Obras”, para ajudar indigentes. Mas entendia que aquilo
era tarefa para moços. E foi lembrando disso que Bailly, grande devoto de São
Vicente de Paulo, se dispôs a colaborar na organização de uma sociedade para
amparar famílias necessitadas. Era preciso, porém, saber que famílias seriam
visitadas.
Admitida a ideia, resolveu-se dar à organização o nome de
“Conferência de Caridade”, para distingui-la da “Conferência de História”.
Achou Bailly, entretanto, muito reduzido o número de quatro pessoas para as
tarefas visadas. Ozanam indicou Clavé e Devaux, que aceitaram, subindo a sete
os fundadores. Bailly ofereceu a redacção da “Tribuna Católica” para sede,
ficando assim organizada a obra que iria ver no pobre a pessoa de Cristo,
segundo o Evangelho.
Não tendo havido cuidado em registrar o dia do nascimento
da Conferência de Caridade, não há certeza sobre a data de sua fundação. Por
outro lado, ninguém admitiu ser apresentado como principal fundador. Ozanam apontava
ora Bailly, ora Le Taillandier como “o primeiro autor de nossa. Sociedade”,
enquanto Lamache entendia que ninguém merecia este título. Após o falecimento
de Ozanam membros da primeira Conferência de Paris apontaram-no como a alma do
movimento.
Cinquenta anos depois, Lallier, Lamache, Le Taillandier e
Devaux, ainda vivos, ofereceram um Depoimento sobre as Origens da Sociedade,
apontando como seus fundadores Bailly (Manuel José), com 40 anos; Lamache (Paulo),
22 anos; Clavé (Félix), 22 anos; Le Taillandier (Augusto), 22 anos; Devaux
(Júlio), 21 anos; Ozanam (Frederico), 20 anos; Lallier (Francisco), 19 anos. A
parte Bailly, nenhum deles pertencia a qualquer associação religiosa ou
política e eram estudantes de Direito, salvo Devaux, que cursava Medicina.
Por lapso publiquei o 4 capítulo antes do 3. Aqui fica a rectificação embora esteja os capítulos trocados.
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