Senhor Ernesto Falconnet.
São quase dez horas, almocei bem, o estômago está saciado, nada me dói, não sinto qualquer necessidade, em volta de mim tudo está suficientemente tranquilo, o espírito está pois tão livre quanto possivel, tão livres como é necessário para escrever ao muito alto e muito poderoso senhor Cláudio Maria Ernesto Falconnet, futuro bacharel.
Mas eis que entretanto o Senhor meu gato escalou o meu ombro e, de olho fixo sobre o que escrevo, recebe uma lição de estilo epistolar.
Ora então, meu senhor, como vai a vossa preciosa saúde?
Que aconteceu às dores de cabeça? Como se comportam o vosso ilustríssimo espírito e o vosso génio criador? Estamos satisfeito, carrancudo, alegre, melancólico? A disposição é sombra, cercada de espressas nuvens ou, pelo contrário, esprraia-se sobre prados ridentes? Lê-se um pouco o amigo Descartes? Sobretudo, medita-se Descartes? Começa-se a filosofar e a perguntar-se o porquê das coisas? Eis o momento de se ir preparando para a grande viagem da vida, coragem.
Pelo que me diz respeito, estou longe de saber tive a intenção de cultivar as letras e a filosofia. Mas hoje que os acontecimentos estão tão embrulhados, pode saber-se o que sobrevirá? Quem me diz se numa destas quatro manhãs não me encontrarei, como o Senhor meu Pai, na ponte de Arcole ou em Lodi, ou talvez em Londres ou Viena, com a espada na mão e a mochila às costas? Fala-se tanto de guerras que finalmente acaba-se por fazê-las; crio mesmo que é a única salvação da Pátria, pois os espíritos estão de tal maneira divididos, os partidos estão opostos, as facções tão marcadas que é em absoluto necessária uma guerra contra o estrangeiro para reunir os espíritos e impedir a guerra civil.
Em todo o caso, suceda o que suceder, não deixarei de prosseguir os meus estudos, visto que, mesmo chegando um dia a capitão, eles não me seriam inúteis. Quem olhar a filosofia seriamente não a vendo como objecto de luxo, depressa se apercebe que a filosofia é útil em todas as situações, ao soldado como ao padre.
Que há de mais útil a um militar do que o estudo das línguas? Não ficaria eu contente por saber o alemão e o italiano se tivesse de guerrear na Itália ou na Alemanha? Por outro lado, nada mais necessário a um militar do que a religião e, por consequência, os estudos religiosos.
A própria poesia cheja a ter por vezes a sua utilidade, mesmo no auge da guerra. A guerra é um belo assunto de inspiração; era a cavalo e com as armas na mão que David compunha os seus cantos sublimes.
Como quer que seja, prossigo os meus estudos como habitualmente. Terminarei o meu idídio de Joana d'Arc em Vauconleurs, leio o meu Heródoto e os meus monólogos de... (1), e ao mesmo tempo a história literária da Itália, de Ginguené, em meu entender história cheia de erudição mas bastante superficial.
Ao mesmo tempo, prossigo os meus trabalhos para a nossa obra futura. Encontrei coisas muito curiosas sobre as crenças dos Tártaros, sobre a Trindade da Índia, sobre a Trindade egípcia; tudo provas até ao presente em nosso favor.
Procuro adquirir alguns conhecimentos preliminares sobre o sânscrito, (dado antiga língua dos brâmenes), que certamente nos será preciso estudar para conseguir êxito no nosso trabalho. Do que vi até ao presente, parece-se muito com o grego, o alemão, o latim . . . (2) sobre uma vintena de palavras que vi, eis as semelhanças que encontrei, sem dúvida acharei outras na continuação, mas tudo isto é apenas muito preliminar.
Adeus, meu caro amigo, ama sempre o teu camarada
A.F.Ozanam
É preciso que eu ataque o estudo desta terrível mitologia indú, que é extremamente confusa; trabalha com firmeza sobre os celtas.
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(1) Nome em falta.
(2) Várias palavras em falta.
Frédéric Ozanam sempre mostrou uma grande paixao pelo seu pais, embora nao deixando de criticar as classes politicas em tudo que dizia respeito à forma defeituosa na defesa da humanidade
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