O turismo religioso
de Ozanam
Peregrinando pelo Sul da França, ia
também visitando as conferências vicentinas. Sentia-se bem naquele meio. Durante
as visitas, animava e exortava. Em Eaux-Bonnes, surgiu, nos poucos dias de sua
permanência, um centro de irradiação da caridade evangélica.
Em Biarritz, sentiu melhorar um pouco
sua abalada saúde. Desejou visitar a Espanha e rever São Tiago de Compostela,
outrora meta dos peregrinos italianos e franceses. Foi uma viagem penosa, a
exemplo dos cristãos dos tempos passados.
Burgos também o atraiu com seu belo
templo dedicado a Maria Santíssima. Ao entrar naquela igreja majestosa, suplicou:
“Nossa Senhora, Virgem Poderosa, que aqui tendes um edifício tão belo,
fortalecei o edifício frágil e destroçado do meu corpo. Fazei que chegue até o
céu o edifício espiritual de minha alma”. Transpondo os Pirineus, tornou a
pisar o solo francês. Como se aproximasse o inverno, decidiu passá-lo em Pisa,
na Itália, cujo clima era salutar.
Ozanam consegue
autorização para funcionamento das conferências de Pisa, Florença e Livorno
Parecia que Ozanam desejava encher-se
das últimas consolações e propagar ao máximo o ideal da Obra Vicentina. Na
Toscana, por exemplo, as conferências não obtiveram ainda a autorização do Grão-duque
para funcionar. Este temia que se tratasse de mais uma associação de políticos.
Ozanam chegava, pois, a tempo para dissipar os mal-entendidos. Sabendo que se
encontrava em Pisa a Grã-Duquesa, decidiu ele visitá-la para esclarecer as
finalidades das Conferências Vicentinas.
Os amigos tentaram dissuadi-lo,
aconselhando que, ao menos, deixasse passar a febre. Ozanam ponderou: “Estou
mesmo mal. Mas enfim, é o último serviço que posso prestar à Sociedade de São
Vicente de Paulo. Foram tantos e tais os benefícios que dela tenho recebido que
não posso deixar de dar-lhe o meu último sacrifício, se Deus me der forças”. A
Grã-Duquesa o recebeu com toda a afabilidade, pois já o conhecia como autor
consagrado.
Não ocultou a Ozanam as prevenções do
Grão-Duque contra as Conferências e, de modo particular, a de Florença. Ozanam
retrucou respeitosamente, mostrando como nada havia de política na , Obra
Vicentina mas tão-somente a caridade operosa ditada pelo Evangelho. A Grã
Duquesa não deixou transpirar qualquer sinal de aprovação, limitando-se a
ouvir. Entretanto, dias depois, as Conferências de Pisa, Florença e Livorno
recebiam a autorização do Grão-Duque para funcionarem, pela influência de
Ozanam.
Ozanam
visita a conferência de Florença
Uma visita a Florença era para aquele
abençoado peregrino muito oportuna e até necessária. O último resultado das
negociações junto à Grã-Duquesa em favor das conferências, tornaram Ozanam
ainda mais estimado entre os católicos daquela cidade.
Convidado a comparecer a uma reunião
da conferência, lá fez uso da palavra, em língua italiana. Seu discurso causou
a melhor impressão, a ponto de ser reproduzido nos jornais católicos da cidade.
Ozanam irritou-se com aquela divulgação.
A
Oração do Abandono
Havia comparecido à reunião com a alma
comovida, a ponto de externar a Lallier: “As línguas são diferentes, mas é sempre
o mesmo aperto de mãos, a mesma cordialidade fraternal; podemos nos reconhecer
pelo mesmo sinal com que distinguiam os cristãos nos primeiros tempos da
Igreja: Vejam como eles se amam!”. Entretanto, combatia a notícia
espalhafatosa: “É inteiramente oposta ao espírito e aos costumes da Sociedade.
A conferência fará maior bem quanto menor for o ruído”.
O ano de 1853 encontrou Ozanam em
Pisa, cuja placidez repousante deu-lhe um período de tranquilidade. Na primavera
instalou-se em São Jacó, perto de Antignano e de Livorno. Ao lado de sua esposa
e de sua filha, escrevia a sua obra derradeira: “Peregrinação ao País do Cid”.
A 23 de Abril compôs a bela oração do abandono, uma súplica de quem não
desejava morrer mas aceitava plenamente a suprema vontade de Deus:
“Será necessário, Senhor, que eu
renuncie a todos os bens que me dispensastes. Não quereis que eu Vos dê somente
uma parte do sacrifício? Qual das minhas afeições desregradas desejas que eu
imole? Não aceitaríeis o holocausto do meu amor-próprio literário, das minhas
ambições académicas, dos meus projectos de estudo, onde ressalta mais orgulho
que zelo pela verdade?
Se eu vendesse metade dos meus livros
e desse o preço aos pobres…” “… Se, limitando o meu trabalho, eu consagrasse o
resto da minha vida a visitar os indigentes, a instruir os ignorantes, ficaríeis
satisfeitos, Senhor, e me concederíeis a doçura de envelhecer junto à minha
esposa e de completar a educação da minha filha?”. “Talvez, oh meu Deus, não
queirais nada disso. Vós não aceitaríeis a minha oferta egoísta, o meu
holocausto e o meu sacrifício. É a mim que quereis. Eu vou, oh Senhor!”
O
testamento de Ozanam
A convicção da morte próxima,
obrigava-o a pensar no seu testamento que foi redigido naquela mesma data. É sóbrio
e muito eloquente. Julgando-se grande pecador, começava por entregar sua alma à
misericórdia infinita de Deus. À Amélia, sua doce esposa, deixava um curto
adeus, marcando encontro no reino do céu. À Maria, sua filha adorada, deixava a
bênção dos Patriarcas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…
Continuando pedia perdão pelas faltas
com que, por infelicidade, houvesse magoado parentes e amigos. Finalmente,
suplicava aos membros da Sociedade de São Vicente de Paulo que rezassem por sua
alma. Dizia Ozanam: “Não vos deixeis iludir pelos confrades que vos disserem:
ele já está no céu. Orai muito por aquele que tanto vos ama, mas que tanto tem
pecado. Confiado nesta certeza, deixarei a terra com menores receios”. Ozanam
não alimentava mais ilusões de cura.
Sem comentários:
Enviar um comentário