Papa Pio X elogia
Ozanam
Os artigos de Ozanam
não eram políticos, mas sociais. Sustentava depender a salvação da Sociedade
cristã, da caridade dos católicos, apontando a Sociedade de São Vicente de
Paulo como designada por Deus para isso.
Pleiteava uma agitação
caridosa para aliviar a angústia do povo. A revolta fora esmagada mas restava um
inimigo que queria ignorar: a miséria. Mais tarde, Pio X apontava Ozanam como
mestre e chefe daqueles que procurassem dar uma disciplina cristã à Sociedade.
Continuando suas
aulas na Sorbona, Ozanam aproveitava os temas do programa para destacar o papel
da Igreja na educação das massas indisciplinadas da Idade Média. Demonstrava
que só se civilizam os homens agindo sobre suas consciências e que a primeira
vitória tem que ser sobre suas paixões.
Dentro dessa
conceituação escreveu obras como a Civilização do Século V. Os Germanos antes
do Cristianismo, A Civilização Cristã entre os Francos e Bens da Igreja.
Ozanam volta
a ficar doente
A nefrite que o
atacara em 1846 voltara a manifestar-se em 1849. Os sofrimentos aumentavam e
ante os sintomas alarmantes da enfermidade, os médicos prescreveram-lhe repouso
absoluto. O trabalho, as lutas, os sofrimentos morais apressavam sua ruína. Uma
viagem à Bretanha concorreu para uma aparente melhora. Ele dizia que Amélia se
alegrava por ver voltarem ao seu rosto as cores da saúde. E tentou trabalhar.
Escrevendo ao seu
grande amigo Jean Jacques Ampère, companheiro desde a juventude, Ozanam
dizia-lhe “estar de tal modo fatigado que ficava impedido de cumprir seus
deveres e até alguma distracção”. “Com as doçuras do lar, Deus me concedeu
falta de saúde. Que Ele seja bendito com essa partilha”. Por isso o mesmo Ampère
declarou: “O que Ozanam colocou acima de tudo foi a sua grande fé católica, a
soberana senhora de toda sua vida”.
Ozanam era homem de
oração. Todos os seus actos e escritos respiram este incenso. A comunhão frequente
era o apoio de sua vida espiritual, e, sobre ela, assim se manifestava: “Quando
a terra inteira vier a abjurar o Cristo, haverá sempre, na doçura da Comunhão e
no consolo que ela oferece, uma força de convicção que me fará abraçar a Cruz e
desafiar a incredulidade da terra”. Em tudo ele via a vontade de Deus.
O devotamento de
Ozanam aos pobres era impressionante. A Sociedade de São Vicente de Paulo
constituía sua outra família. A visita aos pobres de sua Conferência e os
serviços que lhes prestavam eram para ele um exercício religioso. Sentia
consolação em penetrar nas miseráveis moradias dos assistidos, cumprimentando-os
afectuosamente, dizendo “sou um seu criado”. Nessas visitas encontrava conforto
para suas preocupações e coragem para seus empreendimentos. E, por isso, mais
os amava.
A Sociedade se dissemina pelo mundo
A Sociedade de São
Vicente de Paulo cada vez mais se disseminava pelo mundo. O Presidente Baudon retomava
aos poucos a direcção geral, o que fazia Ozanam ir-se afastando gradativamente.
E, 1851 registaram-se 247 agregações de novas conferências na Europa e América.
E o Relatório do ano,
comentando a inauguração do Telégrafo Submarino, dizia que a Caridade era um
fio muito mais eléctrico que estava ligando os dois mundos.
Mesmo doente Ozanam continua a leccionar
Após as férias
forçadas, que se prolongaram mais do que esperava, Ozanam preparou-se, em 1852,
para retomar seu Curso na Sorbona. O irmão, Padre Afonso, procurava
dissuadi-lo, havendo ele respondido que tinha um dever a cumprir: “Que dizer do
soldado que recusa ficar na brecha, receando morrer?” Por isso entendia que deveria
permanecer no seu posto e nele morrer se fosse preciso. Aos médicos sustentava
que ficava pior com a inacção. Precisava trabalhar.
As suas aulas, apesar
da fadiga, continuavam a obter grande frequência. E a juventude não perdia
ocasião para aplaudi-lo, o que muito o excitava, procurando corresponder àquele
entusiasmo. Queria sempre mais, e como não podia ir além de suas forças, já combalidas,
dizia-se desesperado com o que ele chamava de esterilidade desoladora.
Lamentava-se de possuir ideias sem poder transmiti-las. E pedia a Deus um pouco
de saúde e de vida.
Ozanam esperava
conseguir melhoras com as férias da Páscoa. Mas veio nova recaída, agora
acompanhada de pleurite, com muita febre. Recolhido ao leito, por ordem dos
médicos, pediu ao Reitor anunciasse o adiamento das aulas. Os estudantes,
embora muito gostassem do querido professor, externaram seu desapontamento. Ignorando
a doença do mestre, murmuravam, dizendo que os professores eram pagos para dar
aula. Essas reclamações chegaram aos ouvidos de Ozanam. É de ver como o
deixaram chocado.
Tomado de desgosto e
alegando que precisava merecer o pão que ganhava e dever honrar a profissão,
Ozanarn levantou-se, e mau grado as lágrimas da esposa, as determinações dos
médicos e amigos, desceu as escadas e se fez conduzir à Sorbona. Ali entrou
apoiado num braço amigo, febril, muito pálido, mais parecendo um fantasma do
que um vivo. Os estudantes compreenderam o erro cometido, não escondendo o
remorso que lhes estava remoendo a consciência.
O tocante espectáculo
oferecido por Ozanam enfermo, diante dos alunos espantados, recordava palavras
ditas antes: “Todos os dias nossos irmãos se deixam morrer como missionários
nas terras d’África. E nós, que fazemos? Acreditais que Deus tenha dado a uns
morrer a serviço da Igreja e a outros se deitarem sobre rosas? Acreditar nisso
seria uma acusação a Deus. Preparemo-nos para provar que também temos nossos
campos de batalha e que sabemos morrer”.
Subindo os degraus da
cátedra, Ozanam debruçou-se sobre os apontamentos da lição. Levantando a
cabeça, passou os olhos ardentes de febre sobre o auditório. Os aplausos
reboaram. Feito silêncio começou a lição, falando clara e pausadamente:
“Senhores, o nosso século é acusado de egoísmo e que esta epidemia afecta os próprios
professores…” “Entretanto, é aqui que alteramos nossa saúde e gastamos nossas
forças… ” Grave silêncio caiu sobre a classe.
Ozanam continuou:
“Não estou aqui para queixar-me; a minha vida vos pertence e vós a tereis…” “Da
minha parte, se eu morrer, garanto-vos, será pelo vosso serviço”. Ozanam
desenvolveu naquele dia uma aula de rara eloquência, a ponto de ser cercado
pelos discípulos, ao término da lição, para externarem sua comovida admiração.
Respondia-lhes Ozanam: “Sim, sim. Agora, preciso dormir à noite”. Mas não
conseguiu, dada a violenta febre.
Seguindo
conselho médico Ozanam viaja para o Sul
Os dias de moléstia que se seguiram não o
afastaram do apostolado religioso, datando dessa época o começo da conversão de
um amigo. Este objectava que a eternidade das penas do inferno contrariava a
bondade de Deus. Ozanam esclarecia: “Pensais, meu amigo, que aqueles que
duvidam do dogma do inferno, assim o fazem por sentimento humanitário? Não. É
porque não possuem o sentimento bastante vivo do horror ao pecado e da justiça
de Deus”.
A conselho médico, Ozanam devia abandonar
Paris e empreender uma viagem pelo Sul, percorrendo a Espanha e a Itália. Para
Ozanam, seu afastamento das aulas na Sorbona, seu afastamento do campo de ação
do apostolado cristão, onde deixava os discípulos, os amigos e, principalmente,
os seus pobres, representava uma dolorosa situação. Por quanto tempo se
afastaria? Quem sabe? Talvez para sempre … Era preciso saber oferecer aquele
sacrifício, ao abandonar tudo que fora a sua vida.
Escrevia então Ozanam: “Quem morre sem acabar
a sua tarefa tem, aos olhos da Suprema Justiça, o mesmo mérito de quem pôde
acabá-la completamente. Os maiores homens não são os que pretenderam
estabelecer o plano do seu destino mas os que sempre se deixaram guiar por
Deus” . Ozanam curvava-se com docilidade aos desígnios da Providência Divina. A
viagem que ele empreenderia agora seria a última. Ele o sabia. Antes de partir
quis comungar.
Amélia acompanhou como sempre o marido e na
igreja colocou-se, ajoelhada atrás dele, coberta de lágrimas. Todo seu valor e
resistência, até então demonstrados, desapareceram. E rezava, pedindo a Deus
que não o tirasse. Nesse instante, teve como que uma visão, olhando para a parede
da capela, onde aparecia uma inscrição: “Aqui jaz Frederico Ozanam” Era,
talvez, o anúncio fatal de uma desgraça bem próxima. Em 16 de julho de 1852
eles deixaram Paris.
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